E o fez no mesmo lugar onde, 20 anos antes, São João Paulo II instituiu o Domingo da Misericórdia ao canonizar a polonesa Ir. Faustina Kowalska.
Como nos ritos da Semana Santa, não havia fiéis. Na homilia, o Pontífice comentou o Evangelho de João e a semana que os discípulos transcorreram depois da ressurreição do Mestre – uma semana marcada pela “incredulidade medrosa”.
Diante deste sentimento, Jesus volta para o meio deles para anunciar que Deus não se cansa de estender a Sua mão para nos levantar. E esta “mão” é precisamente a misericórdia. Deus não é um patrão com o qual ajustar as contas, mas o Pai que sempre nos levanta.
“Hoje, nesta igreja que se tornou santuário da misericórdia em Roma, no domingo que São João Paulo II dedicou à Misericórdia Divina há vinte anos, acolhamos confiadamente esta mensagem”, disse o Papa.
Entregar as nossas misérias ao Senhor
A Santa Faustina, disse Jesus: «Eu sou o amor e a misericórdia em pessoa; não há miséria que possa superar a minha misericórdia» (Diário, 14/IX/1937). Uma frase que surpreendeu a santa foi quando Cristo pediu que ela oferecesse aquilo que é verdadeiramente seu – também nosso -, a sua miséria.
Também nós podemos nos interrogar se mostramos as nossas quedas ao Senhor ou se há um pecado, remorso, ferida ou rancor que guardamos para nós. “O Senhor espera que Lhe levemos as nossas misérias, para nos fazer descobrir a sua misericórdia.”
Em meio aos discípulos, Jesus mostra as suas chagas e pede que Tomé as toquem descobrindo o amor.
“Tomé, que chegara atrasado, quando abraça a misericórdia, ultrapassa os outros discípulos: não acredita só na ressurreição, mas também no amor sem limites de Deus. E faz a profissão de fé mais simples e mais bela: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).”
Eis a ressurreição do discípulo, explica Francisco, que se realiza quando a sua humanidade, frágil e ferida, entra na humanidade de Jesus. É a mesma fragilidade que estamos experimentando neste momento de reclusão.
Nesta festa da Divina Misericórdia, o anúncio mais encantador chega através do discípulo mais atrasado. Só faltava ele, Tomé. Mas o Senhor esperou por ele.
“A misericórdia não abandona quem fica para trás.”
O vírus da indiferença egoísta
Enquanto pensamos numa recuperação da pandemia, alertou o Pontífice, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer quem ficou para trás.
“O risco é que nos atinja um vírus ainda pior: o da indiferença egoísta. Transmite-se a partir da ideia que a vida melhora se vai melhor para mim, que tudo correrá bem se correr bem para mim.”
O vírus se alastra quando se selecionam as pessoas, se descartam os pobres, se imola “no altar do progresso quem fica para trás”.
“É tempo de remover as desigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde da humanidade inteira!”, exortou.
Distribuir os bens não é ideologia, é cristianismo
A comunidade cristã primitiva colocou em prática a misericórdia, como descreve o livro dos Atos dos Apóstolos: os fiéis «possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2, 44-45). “Isto não é ideologia”, recordou Francisco. “É cristianismo.”
Naquela comunidade, depois da ressurreição de Jesus, apenas um tinha ficado para trás. Hoje, parece acontecer o contrário: uma pequena parte da humanidade avançou, enquanto a maioria ficou para trás. E o Papa insistiu:
“Não pensemos só nos nossos interesses. Aproveitemos esta prova como uma oportunidade para preparar o amanhã de todos. Sem descartar ninguém: de todos. Porque, sem uma visão de conjunto, não haverá futuro para ninguém.”
Façamos como o apóstolo Tomé, concluiu o Papa: acolhamos a misericórdia, que é a salvação do mundo. E usemos de misericórdia para com os mais frágeis: só assim reconstruiremos um mundo novo.
Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano/News